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Uma abordagem para as ações climáticas nas cidades

As cidades representam 78% da demanda mundial por energia e por 60% das emissões de carbono - a força motora dos impactos antropogênicos nas mudanças climáticas


Mohit Singh. Boston.

As cidades exercem um enorme, e muitas vezes negligenciado, impacto no nosso mundo. Elas atualmente representam 78% da demanda mundial por energia e 60% das emissões de carbono - o principal motor antropogênico das mudanças climáticas. Pouco mais da metade da população mundial hoje vivem nas cidades, no Brasil esse número é de 84,4%. Até 2050 mais de ⅔ dos habitantes do planeta irão estar em áreas urbanas. Atualmente as cidades já sentem os efeitos negativos do aumento do nível do mar, ondas de calor mais intensas, secas prolongadas, diminuição da oferta de água potável, um regime de chuvas e tempestades mais intensas. Por conta disso, as cidades tem se tornado cada vez mais atores (atrizes hehe) chave na adaptação e mitigação, não apenas em benefício próprio, mas também pela sua importância no cumprimento das grandes metas regionais, nacionais e internacionais para diminuir a velocidade do trem desgovernado das mudanças climáticas.


Quem mora nas cidades já precisa lidar com o aumento do preço da moradia e gentrificação; acesso à oportunidade de emprego e opções de lazer; transporte público superlotado, caro e sem fontes de financiamento; além de muitas vezes lidarem com legados de racismo institucional e xenofobia. Quando se trata de impactos das mudanças climáticas, moradores e bairros têm capacidades diversas de adaptação com bases em suas vulnerabilidades socioeconômicas. Populações normalmente marginalizadas incluem pessoas negras, pobres, mulheres, crianças, idosos, deficientes, imigrantes e locatários. A vulnerabilidade também se apresenta por meio da falta de acesso a: oportunidades econômicas, falta de poder político e falta de acesso a benefícios públicos e privados tais como serviços financeiros e transporte público. As mudanças climáticas tem sido, de maneira ameaçadora, tratada como “promotora corrosiva de desvantagens” por criar e reforçar tais padrões de vulnerabilidade.


Em sua corrida maluca para agir contra as mudanças climáticas, as cidades devem considerar, de maneira consciente, a forma pela qual os planos e projetos municipais podem inadvertidamente manter - ou até mesmo agravar - as desigualdades presentes em suas estruturas políticas e econômica além do próprio tecido social. Como conceitos vagos como justiça e equidade podem ser postos em prática é fundamental para determinar quais ações serão tomadas, como e em benefício de quem - e no fim das contas, afetar a viabilidade e sustentabilidade das nossas cidades no longo prazo. O objetivo mais amplo da justiça climática é quebrar esses padrões sistêmicos e institucionalizados por meio de projetos ecológicos sustentáveis e políticas públicas que priorizem as necessidades das populações mais vulneráveis e marginalizadas. Trata-se de uma tarefa árdua e politicamente desconfortável para governos mais preocupados com crescimento econômico, desenvolvimento do mercado imobiliário e preço da moradia - (como o antropólogo David Harvey lamentou recentemente, as cidades estão sendo construídas para se investir, não para se morar) - nesse cenário as mudanças climáticas podem ser tratadas simplesmente como uma “questão temática” carente de recursos.


O desenvolvimento rápido e em larga escala está em voga, mas não há como as cidades “pavimentarem um caminho” capaz de afastá-las dos impactos desiguais das mudanças climáticas. Cidades ao redor dos Estados Unidos já começaram a adotar uma abordagem transversal em suas ações climáticas, buscam assim a abordagem de ação compartimentalizada. Seattle, Portland e Boulder recentemente implementaram estratégias que incorporam a equidade - o que significa que as desigualdades sociais, econômicas e ambientais existentes devem ser consideradas no planejamento e implementação das medidas de adaptação e mitigação.


Boston está criando suas diretrizes de justiça climática

Na Costa Leste dos Estados Unidos, a cidade de Boston tem mudado sua abordagem em relação às mudanças climáticas. Saindo dos planos focados na redução de emissões para o desenvolvimento urbano na escala dos bairros e medidas de adaptação que buscam mitigar um maior número de impactos climáticos. Desde 1991 a cidade sofreu com 21 eventos climáticos extremos que geraram declarações de estado de calamidade na esfera federal ou estadual. O nível do mar na região já aumentou quase 30 centímetros ao longo do século XX e as tendências apontam que a cidade vai ser engolida pelo mar nos próximos 80 anos. Um estudo de 2013 da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) colocou Boston em oitavo lugar no ranking de cidades que irão sofrer danos econômicos por conta de inundações costeiras.

As cidades podem - e devem - fazer mais. Um projeto de pesquisa em Boston consultou a população em busca de recomendações para construir as diretrizes de uma política pública restaurativa capaz de promover a justiça climática. As entrevistas lançaram luz sobre um amplo desejo da comunidade para que as ações futuras considerem questões fundamentais relacionadas às mudanças climáticas. Como as soluções de adaptação e mitigação são criadas? Como elas são na prática e quais problemas ou desigualdades elas buscam resolver? Como elas são avaliadas e por quem? Quem as criou… e a quem se destinam?


Lance Anderson. Boston.

Dentro do contexto da pesquisa conduzida em Boston, surgiram sete princípios de justiça climática urbana.

Primeiro, justiça climática requer esforços pró-ativos para se criar aumentar a confiança e se estabelecer uma comunicação de mão dupla entre a cidade, suas diversas secretarias e a comunidade.

Segundo, justiça climática exige que a cidade institucionalize uma melhor comunicação entre secretarias, um esforço para se afastar dos padrões históricos de planejamentos e políticas públicas compartimentalizadas.

Terceiro, as cidades demonstram seu compromisso com a justiça climática ao ouvirem as comunidades “onde o povo está”. Isso significa oferecer os recursos (financiamento, apoio técnico, serviços de tradução e materiais educacionais) ao tempo e na forma que seja adequada às necessidades da comunidade.


Quarto, comunicação e confiança são fundamentais para a justiça climática e as cidades podem fortalecer a confiança através do envio de atualizações constantes das ações em curso que podem ser checadas facilmente, são compreensíveis e encorajam o engajamento.

Quinto, acesso paritário às tomadas de decisão podem ser criados através de parcerias de longo prazo entre a cidade e organizações locais que oferecem oportunidades para engajamento devidamente custeado e formalizado.


Sexto, ações locais efetivas tendem a acontecer quando há uma rede robusta de organizações de base e ativistas: uma cidade que promove o crescimento do poder e potencial de colaboração da sociedade civil está ao mesmo tempo promovendo a resiliência local e na cidade como um todo.

Finalmente, métricas pactuadas com a população para avaliar o progresso são necessárias para medir a amplitude e qualidade dos impactos dos projetos e políticas públicas.


Que não restem dúvidas de que adotar uma abordagem de justiça climática é uma tarefa assustadora para qualquer governo. A justiça climática exige mais do que “participação política por enquetes”. É um compromisso com o engajamento e parcerias abertas a todos, onde os benefícios são compartilhados de maneira igualitária, os danos passados são reconhecidos e enfrentados proativamente. A justiça climática não é apenas sobre mudanças climáticas. É fundamentalmente sobre empoderar as comunidades, melhorar a saúde a prosperidade para que possamos encarar quaisquer tempestades que o futuro possa trazer.


Vulnerabilidade às mudanças climáticas, um exemplo brasileiro


O conceito de justiça climática urbana tem um exemplo bem claro na Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ). A capital do estado, bem como municípios contíguos, estão expostos à elevação do nível do mar.


Do área total da RMRJ, são 1.202 km2 categorizados como “zonas costeiras de baixa elevação” o que representa 18% de sua área total. Também chamadas de “Low Elevation Coastal Zones” (LECZ), são áreas costeiras com altitude menor do que 10 metros acima do nível do mar.


As consequências diretas da elevação do nível do mar devido às mudanças climáticas causadas pela humanidade desde a industrialização já são sentidas. Aumento da erosão costeira, destruição de infraestruturas na orla e “afogamento” das galerias de água da chuva com as inevitáveis inundações de áreas baixas.


Para se entender a dimensão dos impactos possíveis, a elevação de apenas 1,5m do nível do mar pode implicar na perda de até 10,3% do território da cidade do Rio de Janeiro e 8,1% em São Gonçalo, por exemplo.


Mas, nem toda perda de território é igual para todos. O bairro de Jardim Gramacho abrigou durante décadas o maior lixão a céu aberto do mundo, estaria sujeito aos impactos da subida das águas sem nem ao menos ter equacionado o legado de abandonado social e ambiental deixado pela desativação do aterro de Gramacho, para muitos a única fonte de renda.


Artigo original “The approach that takes crucial urban climate action” escrito por Christina Schlegel, Tufts University

Tradução e adaptação: João Guilherme Lacerda, Coalizão Clima e Mobilidade Ativa


Referências:

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